quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Falta muito ainda para desobstruir a justiça

A Meta 2 do Judiciário, definida em fevereiro deste ano no 2º Encontro Nacional do Judiciário, que reuniu presidentes de todos os tribunais do país em Belo Horizonte, pode ser comprometida pelo desempenho das Justiças dos Estados (”Folha de S. Paulo”, 12 de outubro).

A Meta 2 define como prazo para o julgamento de todos os processos iniciados antes de 2006 o último dia deste ano, como forma de assegurar o direito constitucional à “razoável duração do processo judicial” e eliminar estoques de processos responsáveis por altas taxas de congestionamento da Justiça. Segundo a “Folha”, as Justiças estaduais deram conta de apenas 29% das 5,1 milhões de ações que tramitam nos seus tribunais, ou seja, conseguirão proferir apenas 1,32 milhão de sentenças no período. Com esse desempenho, a média nacional de cumprimento da meta - nas Justiças Estaduais e Justiças Federal, Militar e Eleitoral, além dos tribunais superiores - não vai passar de 31% do que foi planejado.

As dez metas definidas foram consideradas de nivelamento, ou seja, planos de produtividade e incorporação de tecnologia em todas as instâncias judiciais. É um conceito democrático que vislumbra, em horizonte curto de tempo, garantir acesso do cidadão à Justiça, em qualquer lugar do país ou instância judicial, nos mesmos padrões de qualidade e agilidade. Para que isso ocorra é preciso que todas as instâncias partam de uma mesma situação, com passivos judiciais - processos à espera de sentenças - semelhantes. A eliminação dos processos anteriores a 2006, portanto, é um dado importante na uniformização da qualidade da Justiça. A partir de uma realidade em que a Meta 2 já teria sido cumprida, nenhum novo demandante do sistema judicial teria de vencer uma enorme fila antes de ser atendido.

O primeiro efeito da Meta 2 foi o de definir, com clareza, o tamanho do problema. Em fevereiro, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes, divulgou uma estimativa catastrófica de que eram 40 milhões os processos iniciados antes de 2006 sem sentença. Em maio, quando as varas iniciaram os levantamentos, esse número caiu para 23 milhões. Quando os Tribunais de Justiça eliminaram as duplicidades de cadastro e as ações extintas, os processos foram calculados em 5,1 milhões. É sobre esse universo, que representa um oitavo da cifra original, que os tribunais hoje trabalham.

Outras constatações dessa fase de redução do passivo de processos da Justiça podem ajudar o Judiciário a formular estratégias para cumprimento efetivo da Meta 2. Um número muito grande de casos aguarda perícias; as ações de inventários tendem a parar em grande número na Justiça porque seu encerramento implica o pagamento do imposto sobre herança por parte dos herdeiros. Também tendem a caminhar lentamente ações com grande número de autores ou réus.

Vencida a etapa de conhecimento do problema, todavia, o fundamental é que se construam condições para a desobstrução da Justiça o mais rápido possível. A morosidade judicial é altamente antidemocrática, porque tende a excluir os menos favorecidos, que representam a grande maioria da população brasileira.

O atendimento à Meta 2 seria, ainda, uma forma de o corpo funcional do Poder Judiciário retribuir com serviços o fato de ser uma das mais bem pagas carreiras do serviço público. Na semana passada, sem que tivessem chegado sequer à metade da meta de redução dos processos, os servidores do Poder Judiciário foram brindados com a decisão, dos presidentes dos tribunais superiores e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de revisão de seus salários. A previsão é que algumas faixas da carreira tenham 80,17% de aumento salarial. Os ministros do STF tiveram 9% de aumento de salário, definido pelo Congresso, e esse teto, de R$ 24,5 mil, é a base para o reajuste de juízes, desembargadores e procuradores. Segundo Mendes, o aumento de salário evita o “sucateamento” do Poder Judiciário. Para que isso se justifique, é preciso que esses bem remunerados funcionários ajam para que a população perceba a existência dessa elite do serviço público como fundamental para as suas vidas.

Editorial do jornal Valor Econômico, publicado no dia de hoje, 15/10.

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