quinta-feira, 13 de agosto de 2009

FUI ASSALTADA
(Autora: Raquel Machado é uma exímia tributarista, professora talentosa e dona de uma sensibilidade ímpar)

Efetivamente, fui assaltada com um revólver na cabeça. Aliás, com dois revólveres. Sempre imaginei o que sentiria quando isso ocorresse. Se teria medo, se sentiria raiva, se perderia ou diminuiria a fé na humanidade.Por fim, o que senti foi pena do desespero dos rapazes.Eu os vi vindo em minha direção. Sempre me disseram: passa por cima.Não tive coragem. Não foi por medo, foi por instinto de preservação da vida.
Até hoje, eu achava que teria coragem. Sempre me indaguei sobrea existência, ou não, de instintos assassinos em mim. Mas descobri quenão os tenho, mesmo quando corro perigo.O que eu também vi, e me lembro, foi crianças correndo pela rua,escondendo-se nas casas. Simplesmente cedi. Mas não tive o menor medode morrer.

Quando abri a porta de meu carro para evitar um mal maior, o ladrão me disse:- Não demora, porque senão você morre. Tá vendo o revólver? Passa o relógio.Eu apenas respondi, até meio brincando:- Ora, não posso ser mais rápida. Tenha calma.Ele levou minha bolsa e um relógio que ganhei de aniversário de 30anos e amava. Lamentei por isso sim, e só.Quando eles partiram, voltei para casa calmamente. Liguei para quetodos retornassem e para a polícia.O policial me disse:- Você é a assaltada mais calma e alegre que já vi.Para mim, foi um elogio. Talvez para alguns um sinal de descuido.Em casa, depois de perceberem que eu estava bem, o que mais ouvi foi:- Tá vendo? Devia ter blindado o carro! Não sai mais de casa sem um.Blindagem!? Logo no meu carro que adoro janelas abertas, em vias largas!? Sinceramente, não sei se teria mudado minha atitude.
Eles atiravam pela rua e talvez mesmo com ela, eu tivesse aberto a porta. Omais chocante não era a ameaça na minha direção, mas vê-los atirandoaleatoriamente, como se a vida não valesse nada.Acredito na vida e sei que vou viver muito, muito mais. Apesar detudo, é isso: não estou triste, não estou com medo, a vida existe eprevalecerá porque eu creio nela. Entre matar alguém atropelado eperder meu relógio e minha bolsa, prefiro a última opção, apesar deadorar meus presentinhos. E olha que algumas vezes até já considerei aviabilidade da pena de morte e de punições severíssimas.Mas, como disse, senti muito mais pena deles do que de mim. De queadiantam as coisas se não é possível ver a beleza que nelas existe?Provavelmente trocaram tudo por um pouco de droga e vão voltar para umavida quase infernal de vazio, de ausência de desejo de viver.
Recebendo o amor dos meus familiares e amigos, reforcei ainda maisminha alegria e até me diverti com os telefonemas de solidariedade.Na mesma noite, indagada se queria ficar em casa, respondi:- Não, quero sair para comer sushi calmamente e andar a pé.Estacionar o carro longe e caminhar até o restaurante.Lá chegando, os garçons que já me conhecem souberam do ocorrido efizeram um prato lindo. O que me entregou disse:- Que bom que a senhora está aqui.Eu fiquei a admirá-los trabalhando com carinho, apesar do pouco querecebem e percebi que a vida, diversa, é cheia dessas misturas deatuações. Agressões e afetos.O problema da violência não é social apenas. Os rapazes que meroubaram visivelmente não eram miseráveis. O problema maior é falta doculto à sensibilidade. E só quem pode mudar isso é cada um de nósindividualmente. Se tivesse que viver de novo, imagino que não mudarianenhum de meus gestos. Acredito na beleza da vida. E isso é umasalvação.
FONTE: AUTÊNTICA VIDA - http://www.autenticavida.com.br/2009/conteudo.asp?tip=oopsfalei&cod=7&mat=213#comentarios

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