quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

03/02/2009

É o Brasil o modelo de Estado de Direito?

(Do blog do Frederico Vasconcelos da Folha de São Paulo)

O artigo abaixo, que avalia a Súmula Vinculante nº 14 e outras decisões recentes, é de autoria do juiz federal Ricardo Ribeiro Campos, da 11ª Vara Federal do Ceará (privativa em matéria penal), MBA em Poder Judiciário pela Fundação Getúlio Vargas/RJ, Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará, ex-Promotor de Justiça e ex-Procurador do Estado.

A impressão que se tem, com as últimas “novidades” na aplicação das leis criminais, é a de que o Brasil vai se tornando uma ilha segura para criminosos, o que vem ocorrendo, para espanto geral, sob um inusitado ponto de vista de quem tem a pretensão de que seríamos o paradigma de Estado de Direito do mundo, inigualável, acima de todos os outros países.

Afora a lamentável decisão do Ministro da Justiça de conceder refúgio ao italiano Cesare Battisti, sob fundamentos absolutamente infundados, como o de que na Itália não teve ele um processo justo, quando se sabe que isso não é verdade, bastando dizer que a Corte de Haia reconheceu que Battisti teve sempre defesa correta em todos os processos, seja na Itália ou na França, no dia 2 de fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal editou Súmula Vinculante assegurando à defesa de investigados “acesso amplo aos elementos de prova” em inquéritos sigilosos.

Acontece que, curiosamente, isso não ocorre em países como a Espanha, que admite inclusive a decretação de prisão, em processos sigilosos, dando-se ao réu apenas uma “sucinta descrição dos fatos” (art. 506, 2, da Ley de Enjuiciamiento Criminal).

No Código de Processo Penal de Portugal, reformado em 2007, prevê-se que o Ministério Público, quando entender que houver perigo para a investigação ou para os direitos dos participantes processuais ou das vítimas, pode impedir o acesso do investigado a inquéritos, ficando essa determinação sujeita à decisão irrecorrível do juiz (art. 89).

A orientação é mais do que justificável, sabido que, em casos graves ou complexos, envolvendo o crime organizado, somente com o sigilo há alguma possibilidade de êxito de investigações.

Aliás, não menos questionável foi a decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir o uso de algemas no Brasil, quando é conhecido que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que pode basicamente ser visto como um tribunal superior a todos os outros da União Européia, decidiu, no caso Raninen v. Finlândia, que o detido não tem o direito de não ser algemado, salvo se o uso de algemas puder lhe afetar com gravidade física e mentalmente.

São “novidades” como essas que suscitam a pergunta se o Brasil é realmente o modelo de Estado de Direito a ser seguido pelo mundo? Somos nós que estamos certos, e errados estão todos os outros países, de tradição democrática muito mais longínqua? Ou será o contrário?

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